domingo, 26 de junho de 2011

Samora 15

 

Fomos vê-lo ao hospital antes de morrer. Viajámos um dia inteiro para lá chegar e durante toda a viagem não se pronunciou palavra. Não creio que Samora estivesse introspectivo, apenas com pressa. Não o vi verter uma lágrima na vida senão por Sara e em raríssimas ocasiões; em Samora, o sentir estava associado ao agir. Reparei que o seu estado natural era um de calma inerte e sossegada: de frente a uma montra, observando as estrelas, consultando um livro no sofá. Este era Samora misógino, misantropo, desinteressado, sem sensações humanas além das básicas à sua sobrevivência. Quando sentia por algo ou alguém isso traduzia-se em urgência e em rapidez. Era fácil; os seus movimentos por unidade de tempo eram directamente proporcionais ao seu nível de preocupação. Estar quieto era para ele tão natural como a sua misantropia; e quando uma característica tão pronunciada era negada, também a outra se dobrava às necessidades. Como um bloco indivisível, o cerne mais profundo da sua identidade. Naquele dia, a horas de ver o pai moribundo, acelerou o seu veículo e forçou-lhe o motor cansado. Talvez estivesse com medo de não chegar a tempo.

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