quarta-feira, 15 de junho de 2011

Samora 4

Quando Samora tentava dormir e não podia agarrava-se à almofada e fantasiava com todas as mulheres com que se apaixonava. Já velho, contou-me que se apaixonava todos os dias por uma mulher nova. Bastava-lhe ir comprar o jornal ou passear pelo jardim ou viajar de autocarro.
- É tiro e queda, como diz o povo. Uma vez olho-a, olho-a segunda, e fico de queixo caído. A sua beleza, os seus cabelos, os seus olhos. Todos os dias encontro uma mulher com uma aura que a ultrapassa, e que talvez esteja em todas as outras mulheres. Ou só em algumas.
- É apaixonado pela Mulher, então, como ser abstracto e personificado em todas elas – resumi.
- Depende. Odeio mulheres gordas. Não as tolero, por mais inteligentes que sejam. Simplesmente me dão asco.
- Estava a dizer…?
- Estava a dizer que me apaixono e pronto. Vou para casa e fico a sonhar. Às vezes nem consigo ler nem escrever. Fico apenas a pensar, a despi-las com a imaginação. Isso faz de mim um pervertido, talvez? – não era bem uma pergunta, mais uma afirmação – Se não lhes conheço mais nada. Não sei sequer se sabem ler ou se gostam de peixe. Sei apenas que são belas e que as quero.
Tossiu longa e cavernosamente, e depois retomou a conversa.
- A mim as gordas dão-me asco mas fascinam-me também. Só não me apaixono por elas. Se me caem em cima? Fico esborrachado!
Soltou uma gargalhada pesada, deu um murro na mesa, desfaleceu por momentos e senti-o triste, como aliás costumava estar naqueles dias de chuva.
- Nunca tive uma mulher. E “tive” aqui significa ter, não possessivamente, mas sim como um marido tem a sua esposa, o namorado a sua namorada, o amante a sua amante. Uma mulher que me diga aquelas coisas porcas e belas aos ouvidos. Porque terá sido?
Bebeu da coca-cola e respondeu:
- Porque me apaixonava todos os dias. Elas ficariam com ciúmes.
- E Sara? – perguntei-lhe. Ele olhou-me com os seus olhos negros e baços como a um herético.
- E Sara quê? – bebeu da coca-cola e calou-se.

Sem comentários: