sexta-feira, 17 de junho de 2011

Samora 7

 

Quando cheguei lá o velório tinha pouca gente. A um canto, uma velhota irrisória e sem dentadura parecia choramingar. Noutro canto, um homem de cinquenta e tal anos lia um livro pornográfico e observou-me com maus modos, como se a minha mera presença o incomodasse. Ao centro, o caixão de Samora tinha um ramo de rosas brancas em cima. Sara, com certeza. Ainda olhei em volta, espreitando a salinha com a máquina do café, mas nada. Tinha vindo e ido sem dizer nada a ninguém. Senti-me quase ofendido. Depositei o meu modesto ramo de flores sobre o caixão.

- É o senhor Gludon? – perguntou-me um vozeirão atrás de mim. Virei-me. Era o funcionário da funerária.

- O próprio.

- Como é?

- Como é o quê?

- Precisamos da sala, e aquela velhota não nos deixa trabalhar.

Fui até lá e sentei-me ao seu lado. A velhota olhou para mim com os olhos empapados em lágrimas e disse-me:

- É o senhor Gludon?

- Sou.

- Muito prazer.

Olhou para o caixão.

- O que diria o velho Samora nesta situação? Provavelmente alguma profunda reflexão sobre a existência humana, ou natureza, ou lá como ele dizia – olhou-me – Vocês eram amigos?

Disse que sim.

- Há pouco veio cá aquela mulher desprezível. De saia. Curtíssima. Aqueles pernões, esculturas pastosas e bronzeadas… Não me diga que também aprecia aquele tipo de mulher…

- De todo – menti-lhe.

- Samora dizia que se apaixonava todos os dias. Desonestíssimo. Sempre foi uma fraude com as mulheres.

- Acha que estava a mentir?

- Se acho? – a velhota observou-me de alto abaixo – Eu sei do que estou a falar, meu caro. Samora sentiu-se apenas atraído por uma mulher e uma mulher apenas. Eu.

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