Quando cheguei lá o velório tinha pouca gente. A um canto, uma velhota irrisória e sem dentadura parecia choramingar. Noutro canto, um homem de cinquenta e tal anos lia um livro pornográfico e observou-me com maus modos, como se a minha mera presença o incomodasse. Ao centro, o caixão de Samora tinha um ramo de rosas brancas em cima. Sara, com certeza. Ainda olhei em volta, espreitando a salinha com a máquina do café, mas nada. Tinha vindo e ido sem dizer nada a ninguém. Senti-me quase ofendido. Depositei o meu modesto ramo de flores sobre o caixão.
- É o senhor Gludon? – perguntou-me um vozeirão atrás de mim. Virei-me. Era o funcionário da funerária.
- O próprio.
- Como é?
- Como é o quê?
- Precisamos da sala, e aquela velhota não nos deixa trabalhar.
Fui até lá e sentei-me ao seu lado. A velhota olhou para mim com os olhos empapados em lágrimas e disse-me:
- É o senhor Gludon?
- Sou.
- Muito prazer.
Olhou para o caixão.
- O que diria o velho Samora nesta situação? Provavelmente alguma profunda reflexão sobre a existência humana, ou natureza, ou lá como ele dizia – olhou-me – Vocês eram amigos?
Disse que sim.
- Há pouco veio cá aquela mulher desprezível. De saia. Curtíssima. Aqueles pernões, esculturas pastosas e bronzeadas… Não me diga que também aprecia aquele tipo de mulher…
- De todo – menti-lhe.
- Samora dizia que se apaixonava todos os dias. Desonestíssimo. Sempre foi uma fraude com as mulheres.
- Acha que estava a mentir?
- Se acho? – a velhota observou-me de alto abaixo – Eu sei do que estou a falar, meu caro. Samora sentiu-se apenas atraído por uma mulher e uma mulher apenas. Eu.
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