domingo, 19 de junho de 2011

Samora 9

Samora contou-me, mesmo antes de morrer, que tinha falado com Sara pela primeira vez num bordel. Aquilo chocou-o. Conhecia-a de vista, quando ainda dava aulas de semiótica numa faculdade do interior. Era sua aluna. Péssima, por sinal. Estava lá à conta dos pais, que queriam para a filha um futuro académico brilhante. Tratava-se bem, vestia roupa de marca e usava batom. Quando passava nos corredores e mexia no cabelo, contou-me Samora, abria-se uma fenda no espaço-tempo, na coerência-histórico-cronológica, um abismo na lógica e na ética generalizadas, e todos os homens pareciam que impelidos por um desejo carnal incontrolado, e os seus falos aumentavam de tamanho e atraiam-se como enormes e pulsantes agulhas de metal na presença de um íman gigantesco.
- Eu não era excepção – disse-me Samora, seis dias antes de morrer – E não se esqueça que me apaixonava todos os dias por uma mulher diferente. E ainda assim – pausou – por ela apaixonei-me todos os dias da minha vida.
Nada mais melancólico e patusco que ver o velho Samora desfazer-se uma declaração amorosa. Talvez por se sentir assim desfalecido, e com as suas emoções a descoberto, tenha morrido mais depressa. Se se matou ou foi acidente nunca o saberei, apesar de Sara me garantir que saber a verdade mas não me querer contar. 

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