terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cidadania

A mulher grávida estava a tentar escolher entre dois aromas completamente parecidos de shampoo. Um era de baunilha e abacate, o outro de baunilha e canela. Com estas misturas de hoje em dia era preciso um olfacto canino para encontrar uma diferença significativa e que justificasse os 34 cêntimos a mais no preço do de canela e abacate, pelo que a mulher grávida puxou dois frascos de baunilha e canela para dentro do cesto de compras e prosseguiu para os lacticínios.

Ia levar leite, iogurtes naturais, uma alface, um pacote de batatas fritas com sabor a presunto, dois pacotes de farfalle e quatro latas de atum, para à noite fazer uma massa no forno. Passou pelo corredor das carnes, decidiu levar mais uns entrecostos, cumprimentou a senhora da peixaria que já a conhecia de vista, e que lhe perguntava sempre pelo bebé, ao que ela respondia:

- Já dá pontapés, o malandro! – seguido de um sorriso maternal.

Na caixa prioritária ela colocava-se em posição de espera, o peso do corpo em cada perna alternadamente, a pega do cesto das compras segura por um braço. O homem à sua frente fez-lhe sinal para passar, ela sorriu, agradeceu e recusou o convite, mas ele insistiu. A senhora à sua frente também, e assim a mulher grávida estava a pagar em menos de trinta segundos. A mulher da caixa também já a conhecia, e estendeu-lhe o troco, a factura e um sorriso derretido, perguntando pelo bebé.

- Já dá pontapés, o malandro! – respondeu a mulher grávida, balançando a barriga, um saco de compras de cada lado.

O parque de estacionamento estava o mais puro caos, e enquanto carros em fila indiana procuravam lugar à sombra e o sol se reflectia nas centenas de veículos alinhados, a mulher grávida arrastou-se de costas inclinadas e barriga pesadona até aos lugares especiais. A meio caminho, um homem simpatizou com ela, ofereceu-se para a ajudar com os sacos, e enquanto lhe carregou as compras até ao carro foi comentando que a sua mulher também estava grávida, e que podia perceber melhor que ninguém as dores nas costas e os desejos nocturnos. Ela atirou-lhe um sorriso confortável e um obrigado cheio de sinceridade, enquanto procurava as chaves do carro.

Enfiou as compras nos lugares traseiros e foi sentar-se no banco da frente, passando com agilidade por entre o banco e o volante como um homem gordo a tentar caber por uma porta aberta. Fechou a porta, suspirou fundo. Olhou em volta. Os lugares destinados a grávidas e pessoas portadoras de deficiências físicas, marcados com uma pequena bandeirinha metálica com um boneco branco em fundo verde de uma mulher grávida e uma cadeira de rodas, estavam praticamente vazios. Eram os mais perto da entrada, e o segurança estava sempre de olho para ver se não eram ocupados por gente indevida. Pôs o carro a trabalhar, fez marcha atrás, e entrou na eterna fila indiana de carros que procuravam lugar. Andou no pára arranca, à medida que uns encontravam lugar e outros prosseguiam para outra volta pelo parque, até chegar à saída e meter o carro pela rampa de acesso.

Acelerou cuidadosamente pela rua, deixando o supermercado para trás. No primeiro sinal vermelho que encontrou levou a mão debaixo da camisola, tirou a almofada redonda e gorda e atirou-a para o banco de trás, mesmo ao lado dos pacotes de leite e das alfaces.

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