O médico legista chegou pouco depois, montado no porco com o capitão. Jovial reparou que este último mudara de calças. O médico legista era um velhinho curvado, de longos bigodes, cartola e uma bata branca cheia de manchas vermelhas suspeitas; parecia um talhante.
- Ora boa noite! - disse o médico legista, jovial, para Jovial. De seguida, colocou duas luvas de látex, que, pela textura, pareciam de fabrico caseiro.
- A minha mulher cozinha-as no forno - explicou o médico legista a Jovial.
- Fantático.
- Vamos lá então ver este pobrezinho... - disse o médico legista. Olhou para o cadáver da caixa de cereais estendida no chão e retirou, de um saco de plástico que trazia consigo, um pacote de leite e uma tijela. Pegou em alguns cerais que saiam da caixa aberta e meteu-os na tigela. A seguir, encheu a tigela de leite, tirou uma colher detrás da orelha e provou os cereais.
- Crunch, crunch, crunch...
- E então, senhor doutor? - perguntou o capitão, visivelmente orgulhoso das suas calças novas.
- Crunch, crunch, crunch - o médico apanhou mais uns cereais do chão e desta vez provou-os a seco - Bem, os cereais estão dentro do prazo de validade, e ainda estão estaladiços, por isso diria que o crime foi há menos de seis horas...
- Sim... e que mais? - perguntou, impaciente, o capitão, a limpar a testa com uma toalhita higiénica. Jovial reparou que o capitão tinha um pequeno resto de pudim no queixo, e concluiu que este teria ido jantar.
- O garfo tem restos de cereais no cabo, e se reparar há cereais espalhados à volta do cadáver. Acredito que foi um crime violento. Talvez até violentíssimo!
- Ah! - fez um dos perus, e continuou a pastar.
- Diga-me, doutor... é o mesmo assassino da outra caixa de cereais?
- Sim, sem dúvida. Repare, ele deixou um autógrafo.
Jovial olhou para baixo e viu, escrito em letras de massinha: “FUI EU”.
- Ah!- fez o porco, e relinchou.
- E com certeza que o assassino tem um faqueiro de má qualidade. Repare que... - começou o médico, a apontar para o garfo.
- Isso já sabemos, doutor. Apresento-lhe Jovial Trestonho, o nosso novo detective.
- A sério? - perguntou o médico, a mergulhar a colher na tijela e a elevá-la à boca, mastigando mais uns cereais. Cumprimentou Jovial - É servido?
- Não, obrigado.
- Não sabe o que perde. Estes cereais são do mais saudável que há. Crunch crunch crunch...
- Jovial vai ajudar-nos na investigação. Ele é inteligentíssimo! - disse o capitão, e piscou o olho a Jovial comprometedoramente. Por momentos, Jovial pensou que o capitão podia ser homossexual, e passou desde aí a ter mais cuidado ao elogiá-lo.
- A sério? Ainda b... UAU, o brinde! - o médico legista retirou com a ponta dos dedos um pacotinho de dentro da tigela, e abriu-o com evidente curiosidade – Bolas... já tenho... - disse, desapontado. O boneco saltou-lhe das mãos, berrou uma indecência em chinês, visto que era MADE IN CHINA, e correu pela rua abaixo, ou rua acima, dependendo da perspectiva.
- Bem, não vos posso ajudar mais - disse o médico legista - Podem dar-me uma boleia?
O capitão, prestável, conduziu-o a casa a bordo do porco preto, e regressou pouco depois, com outro bocado de pudim no queixo.
- Meu capitão, tem andado a comer pudim? - perguntou um dos agentes da autoridade, enquanto jogava com o seu peru ao boomerang.
- Ah... bem... ah... hum... Jovial! Alguma ideia?
Jovial pegou no garfo e olhou para ele. O garfo olhou para Jovial, e por momentos jogaram ao sério.
- Ahaha! - riu-se Jovial.
- Perdeste! - exclamou o garfo.
- Não valeu, o capitão estava a fazer caretas atrás de ti! - queixou-se Jovial. O capitão afastou-se, desentortou os olhos e meteu a língua para dentro.
- Bem... - disse Jovial - O médico disse que o faqueiro seria de má qualidade... E repare, capitão, que o garfo tem um relevo que diz “Caramba”... caramba?
- “Caramba” é uma revista feminina, senhor Jovial! Mas... o que é que isto tudo significa?
- O assassino tem um faqueiro da “Caramba”! - disse Jovial - Ou seja...
- Ele gosta de revistas femininas! - exclamou o capitão, e começou a dançar de alegria.
- Caramba! - gritaram os agentes da autoridade, e voltaram a lançar os boomerangs e a brincar com os perus.
- Amanhã continuaremos a investigação, Jovial - disse o capitão - estou cá com uma larica... - montou o seu porco preto e foi-se embora, e os agentes da autoridade continuaram a brincar com os seus perus (atiravam o boomerang, os perus corriam para apanhá-lo e antes de o conseguirem, o boomerang dava meia volta e voltava para as mãos dos agentes, que se riam alarvemente da figura de idiotas dos perus) e Jovial regressou a casa, lutando para que as suas calças não o atirassem com violência de nariz ao chão.
(continua)
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