Jorge estava na sala de espera com o filho ao colo, enquanto a sua esposa atravessava uma revista cor de rosa de há dois anos e meio atrás.
O miúdo estava sentado em cima dos joelhos de Jorge, e agitava-se entusiasticamente para fazer o “cavalinho”. Jorge olhava para ele com carinho e lá fazia o cavalinho pela milésima vez. Ao seu lado, a sua esposa sorria também.
- Pára sossegado um bocadinho, filho – dizia ela, mas o miúdo não lhe ligava nenhuma. Do outro lado da sala de espera, uma senhora idosa explorava uma revista de decoração bastante utilizada, e sorria ao ver aquele retrato familiar. O miúdo viu a senhora, e foi ter com ela.
- Olá. Eu chamo-me Rui. E você? – disse ele, inocentemente.
- Olá Rui – disse a senhora, com um sorriso aberto abandonando a revista na cadeira ao lado – Eu chamo-me Antónia. Tens uns olhos muito bonitos, Rui!
- A senhora é velhota como a minha avó – disse o pequeno Rui. A cara de Jorge passou do creme para o mais vivo dos vermelhos num curtíssimo espaço de tempo. Levantou-se para ir buscar o filho e pediu desculpa à senhora com um sorriso envergonhado, arrastando o miúdo para ao pé da mãe.
- Ora essa, ora essa! Que menino adorável! Gostei muito de te conhecer, Rui! – disse a senhora, dizendo-lhe adeus.
Entretanto a menina da recepção pôs a cabeça dentro da sala de espera, munida de um sorriso profissinal.
- Senhor Jorge Sousa, faça o favor de entrar.
Jorge deu um beijo à esposa, que pegou no Rui ao colo.
- Até já querido, boa sorte – disse ela com um sorriso encorajador.
Jorge sorriu-lhe também, com pouca confiança. Despediu-se do filho e seguiu a menina da recepção até ao consultório.
- Bom dia, senhor doutor.
- Bom dia, Sr. Sousa, faça o favor de entrar – disse o médico.
- Com sua licença, sotôr – despediu-se a menina da recepção, fechando a porta atrás de si.
Jorge foi sentar-se na cadeira à frente do médico, com os pés bem assentes no chão e os dedos entrelaçados como quem espera uma sentença.
- Ora, Jorge… Jorge… - o médico procurou por entre um monte de exames, e pareceu encontrar o que queria – Jorge, vamos ter de ter uma pequena conversa.
“Ai”, pensou Jorge.
- Já tem os resultados, senhor doutor?
- Já sim – disse o médico, tirando uma folha de papel de dentro do envelope amarelo – Ouça, não fique com essa cara! Os exames estão óptimos. O medicamento resultou na perfeição. Você está com a saúde de um miúdo de vinte anos! – disso o médico, sorridente.
Jorge aliviou-se, endireitando-se na cadeira e desentrançando os dedos. Limpou as palmas das mãos às calças.
- Então está tudo bem…
- Não é bem isso, Jorge – interrompeu o médico, assumindo feições menos alegres – Estou perfeitamente satisfeito com o tratamento e com a sua resposta imunológica, mas não é disso que se trata. O que os exames nos dizem tem que ver com um problema isolado e que não tem nada a ver com a doença que teve.
Jorge ficou nervoso outra vez.
- Jorge, eu não sei se já fez algum tipo de análises antes… Você sabia que é estéril?
- Diga?
- Estéril.
Jorge não respondeu, mas curvou uma sobrancelha. Sentiu-se subitamente com muito calor, e extremamente desconfortável.
- Senhor doutor, isso é impossível…
- As biopsias são muito claras. Podemos repeti-las, mas não vejo necessidade. O Jorge é e sempre foi estéril. Nunca tinha sido diagnosticado antes?
***
Jorge saiu do gabinete do médico dez minutos depois, e caminhou até à sala de espera. Quando o viu, a sua esposa levantou-se de um salto e olhou-o esperançada.
- Então? Como correu?
Jorge olhou para ela, limpou o suor da testa e depois olhou para o pequeno Rui que lhe agarrava agora nas pernas.
- Olá pai! – dizia ele.
- Então? Diz qualquer coisa, Jorge!
Jorge não respondeu. Em vez disso olhou para baixo, para a cara do seu filho; e pela primeira vez notou naqueles olhos uma ligeira semelhança com as feições do seu melhor amigo.
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