quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O Cereal Killer (11 de 12)

Jovial Trestonho puxou as rédeas do seu peru, e parou com uma ligeira derrapagem à porta do dentista. Da porta surgiu um indivíduo que trazia um gigantesco penso na bochecha esquerda, e que, apesar da elevada idade, uns trinta anos, diria Jovial, chorava abundantemente.

- O meu siso! - gritava, enquanto procurava um táxi que o levasse a casa.

- Este é o único dentista da região - disse o capitão. À porta, uma tabuleta. Jovial aproximou-se.

- Bom dia - disse ela, amigavelmente.

- Bom dia - disse Jovial, enquanto a lia: “Beliche Gerbicó, dentista e serralheiro”.

- Poderá este Beliche ajudar-nos? - perguntou-se Jovial, enquanto acompanhava o capitão em direcção à porta do consultório.

- Oh, claro que sim, o senhor doutor é um profissional - disse a tabuleta - Tem a menor taxa de mortalidade do país, veja bem!

Entraram no consultório, e sentados numa sala de espera pequena e sem ventilação estavam três pessoas. Um homenzinho pequeno, que parecia ter dentes de mamute que não paravam de crescer, conversava com uma senhora de idade, que usava uma máscara para esconder a falta de dentes; e um velhote, pequeno e de cartola, perseguia a sua dentadura, que fugia dele por cima das cadeiras da sala de espera. A dentadura foi aterrar com um salto na cabeça da senhora de idade, e arrancou-lhe a peruca. A senhora, assustada, tentou tapar com as mãos o vexame da careca, e destapou a boca, revelando apenas um par de dentes, e muito sujos por sinal.

Jovial e o capitão dirigiram-se à recepção, e uma mulher de longos cabelos vermelhos veio atendê-los.

- Bom dia, têm consulta marcada? - perguntou ela, enquanto comia amendoins e jogava ao solitário no computador.

- Somos da autoridade e precisamos de uma lista de todos os doentes com cáries ou inflamações dentárias que o senhor doutor atendeu nos últimos meses - disse o capitão, profissionalmente, e esquivando-se com um salto em câmara lenta da dentadura que saia a voar da sala de espera. A mulher dos amendoins arrotou ligeiramente, pediu desculpas e depois acrescentou:

- Vão ter de falar com o senhor doutor sobre isso. Eu trabalho aqui há pouco tempo e não sei nada dessas coisas...

Ela levantou-se, abandonou o seu jogo do solitário, e foi à sala do senhor doutor ver se este os podia atender.

- Sinto que estamos cada vez mais perto do assassino, Jovial! - disse o capitão, pegando na caixa de amendoins largada pela mulher, e retirando um amendoin com o intuito de o comer. Mal o amendoin saiu da caixa, um alarme disparou e a caixa fechou-se à volta da mão do capitão.

- Au!- exclamou, com razão. A mulher apareceu, agarrou numa revista, subiu para cima de uma cadeira, enrolou a revista e arremeçou-a de encontro a uma câmara de vigilância. O alarme parou, mas a caixa continuou a morder a mão do capitão.

- Tire-me isto da mão! - berrava ele, quase a chorar. A caixa resmungava, enquanto enfiava cada vez mais os seus dentes afiados na carne do capitão. A mulher deu um safanão na caixa dos amendoins, e esta saiu disparada a voar, encontrando no meio do voo a dentadura. Os dois objectos chocaram um com o outro, e caíram no chão. A dentadura ficou desdentada de um dente, e a caixa perdeu alguns amendoins, agora espalhados pelo chão; de seguida, começaram a ofender-se mutuamente, e foi preciso o velhinho agarrar na sua dentadura e a mulher dos amendoins agarrar na caixa para os separar. Entretanto a peruca da senhora desdentada da sala de espera decidiu que queria também alguma diversão, e atirou-se para cima da cara do velhinho que, assustado com aquela investida da peruca, largou a dentadura. Esta, livre, atirou-se para cima da caixa, que entretanto mordeu a mão da mulher dos cabelos vermelhos, libertando-se e arrancando-lhe um braço. A dentadura e a caixa recomeçaram a luta, e a peruca, satisfeita consigo própria, voltou a planar para cima da careca da mulher desdentada, que desmaiara com tanta emoção.

Jovial, surpreendido com tudo aquilo, emprestou por momentos o pano de cozinha que tinha enrolado na sua mão ao capitão, e tentou apanhar o braço da mulher do cabelo vermelho que, indignado, queria agora agredir a caixa de amendoins. O duelo era agora a três: a dentadura tentava morder a caixa, que tentava fugir do braço, que tentava afastar a dentadura para que apenas ele pudesse sovar a caixa de amendoins.

Foi preciso o capitão recompor-se da mordedura para que, juntamente com o velhinho e Jovial, conseguisse separar os três objectos. A mulher de cabelo vermelho, sangrando abundantemente, desmaiara de fraqueza, e foi preciso chamar uma ambulância. A mulher foi rapidamente reanimada, e o braço re-colado na articulação. O capitão chamou reforços, e quer a caixa de amendoins quer a dentadura foram para a esquadra prestar declarações. A peruca, divertida, consolou o velhinho, que ficara sem dentadura, e demorou bastante tempo até que tudo voltasse à normalidade, e até que Jovial, de novo com o pando de cozinha enrolado na mão, e o capitão, com duas talas e uma ligadura à volta da mão mordida, entrassem na sala do dentista.


(amanhã não percam um duplo episódio, o último desta impressionante novela policial que tem feito as delícias dos miúdos aos graúdos. Convidem os amigos, comprem pipocas e refrigerantes e preparem-se para a conclusão do mistério por detrás do... Cereal Killer!)

.

Sem comentários: