quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Bíblico Cantinho - Adão e Eva

Depois de uma longa semana de cansativas criações, e antes de tirar um diazinho para repousar, Deus Nosso Senhor achou que faltava qualquer coisa; e por isso decidiu fazer um ser à sua imagem: um ser que transpira, tem necessidades diárias, cheira mal quando não se lava, tem pêlos debaixo dos braços e urina por um tubinho. Deus pegou num punhado de terra, deu forma ao Homem e insuflou-lhe o Sopro da Vida pelas narinas adentro.

- Vou chamar-te de Adão – disse Deus. Adão começou a existir. Ora como este novo ser vivo (que era à imagem de Deus) tinha frio, calor, e constipava-se se apanhasse chuva, Deus plantou um enorme jardim ao Oriente (ao oriente? de quê?) a que chamou Éden. Foi nesse lindo jardim que Deus colocou Adão, e mostrou-lhe todas as belas árvores de fruta, com suculentos frutos, e rios lindíssimos e de águas cristalinas. Como terreno era uma maravilha. Disse Deus:

- Adão, meu rico filho. Podes andar todo nu e em perfeita ingenuidade e inocência de um lado para o outro, comer frutos, brincar com os animais e pedir o que quiseres do serviço de quartos, mas há uma coisa que não podes fazer. Ordeno-te que nunca, em nenhuma circunstância, proves dos frutos da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, porque se o fizeres vais morrer de certeza. Para facilitar o cumprimento desta regra, e evitar que caias em tentação e desgraça, vou plantar a árvore mesmo no centro do Jardim, onde a possas ver a todo o momento.

Estava Deus nesta pequena brincadeira, a jogar ao Tamagotchi com o seu novo brinquedo, quando decidiu que estava na altura de arranjar um auxiliar para Adão. Ao que parece, Adão tinha tarefas difíceis o suficiente para necessitar de um assistente, como correr nu pela relva, tomar banho no rio e descascar frutos para o almoço. Assim, Deus reuniu todos os animais que havia criado naquela semana tão cansativa, e conduziu-os à presença de Adão.

- Como sou um tipo simpático, deixo-te escolher o teu assistente.

Adão foi de animal em animal, procurando um assistente à altura; mas depois de ver todos eles, incluindo os pavões, as preguiças e todo o tipo de répteis e insectos perigosos que o poderiam matar à mínima mordidela ou picada, Adão estava indeciso.

- Deus, nenhum destes animais tem o perfil que eu estou à procura.

- Tens razão, Adão. Espera só um bocadinho – dito isto, Deus fez uso de toda a sua omnipotência imaterial para anestesiar Adão e, em seguida, arrancar-lhe uma costela que usou para criar a mulher. Quando Adão acordou sentiu uma dor no peito.

- Era preciso teres-me arrancado uma costela, oh omnipotente Deus?

- Não, pois sou omnipotente; mas acho que é um bom pormenor para acrescentar à história. Sabes, um dia vou publicar um livro e isto vai lá aparecer tudo. Agora cala-te, e cumprimenta a tua nova auxiliar.

Adão olhou para a mulher, chamada Eva, e porque era inocente e vivia completamente sem pecado não lhe reparou nos seios nem nas curvas sinuosas.

- Pus-lhe estes bónus, para vos poder distinguir, apesar de saber perfeitamente que a figura da mulher será, mais tarde na História, um poço de tentações. Depois logo se vê como fazer em relação a todos os pecadores nojentos que me desobedecerem; por agora, têm mais do que tempo para se auxiliarem um ao outro e aproveitar o Paraíso. Chô. Vão provar frutinha.

Adão e Eva iniciaram logo uma alegre conversa, e foram juntos descascar bananas para o almoço. Andavam nus, porque não tinha vergonha nenhuma. Eram uns desavergonhados, portanto.

Passou algum tempo até que, um belo dia no Éden, a serpente se aproximou da Eva quando ela estava a colher cocos para fazer um sumo. Adão, afastado, banhava-se num riacho.

- Pst! – disse a serpente.

- Hum? – perguntou a Eva, olhando em volta, deixando cair um coco ou outro.

- Aqui, sou eu! A serpente!

- Muito bom dia, sou a Eva.

- Sim, está bem. Olha, é verdade que Deus vos proibiu de provarem dos frutos daquela árvore ali ao fundo? A árvore do Conhecimento do Bem e do Mal?

- Sim, é verdade.

- Ele está a enganar-vos. Se provarem daqueles frutos ficarão a conhecer todos os segredos do bem e do mal, e por isso igualar-se-ão a Deus.

Eva ficou pensativa.

- Tens a certeza disso?

- Claro – confirmou a serpente – Vais acreditar em mim, um réptil coberto de escamas e língua bifurcada, ou no Deus omnisciente que te criou?

Eva ficou pensativa mais uma vez, deixando cair outro coco. Não sei se já repararam, mas nesta história a mulher é de raciocínio bastante inerte.

- Sim, faz todo o sentido! Deus disse que morreria se comesse do fruto, mas como uma serpente me aconselha a comer dos frutos e eles até parecem bastante doces vou experimentar!

Eva caminhou até à Árvore do Conhecimento do bem e do Mal, arrancou um dos frutos e deu-lhe uma dentada. Sim, era realmente doce; por isso chamou o seu amigo Adão.

- Adão, Adão! Chega aqui!

Adão, a secar o cabelo com uma folha de palmeira, aproximou-se a correr.

- Sua ignorante! Não é suposto comeres desses frutos! Morrerás no mesmo instante!

Mas a Eva continuava a mastigar, sem morrer nem nada. Deu uma segunda dentada, e estendeu o fruto a Adão.

- Prova! É doce, e ainda não morri! Foi uma serpente que me aconselhou a provar!

- O quê, aquele bicho comprido, coberto de escamas? Ah, então deves ter razão!

Adão, na sua inocência, também não devia muito à inteligência, e preferiu confiar na sua companheira ao invés de seguir a palavra de Deus. Levou o fruto à boca.

À primeira dentada largou a folha de palmeira ao chão e olhou para Eva, como que para dizer que sim senhor, o sacana do fruto era mesmo doce; mas Eva não estava a olhar para ele nos olhos, mas sim para o seu corpo.

- Que foi?

- Adão… Estás nu!

Adão deixou cair o fruto e abriu os olhos de espanto.

- Eva! Tu também!

Adão sentiu a vergonha a apoderar-se do seu corpo. Ao ver o corpo nu e cheio de curvas de Eva, houve outra coisa que se apoderou de uma parte particular do seu corpo; Adão ganhou cor vermelha nas bochechas, voltou a pegar na folha da palmeira e colocou-a abaixo da cintura.

Entretanto Deus, o omnipresente criador, passou por ali por acaso e pela primeira vez viu Adão e Eva a tapar as partes privadas, que até há uns segundos atrás eram tão públicas como o resto do corpo. Deus ficou surpreendido, pois uma vez que é omnisciente não estava nada à espera daquilo. E, por ser omnisciente, perguntou a Adão:

- O que aconteceu? Porque te estás a tapar? Porque sentes vergonha do corpo que fiz para ti?

Adão, ainda corado por causa das sinuosas curvas da Eva, apontou para ela.

- A culpa foi toda da gaja que fizeste para mim. Ela deu-me o fruto e eu comi-o.

- Se ela to deu, porque é que comeste se eu te disse para não o fazeres?

Adão pausou.

- Porque a culpa foi toda dela. Da gaja.

- Isso faz todo o sentido – disse Deus, virando a sua omnipotente face para Eva, que se tapava atrás de uma bananeira – Eva, porque é que provaste o fruto proibido?

- Porque uma serpente muito simpática me disse que tu nos estavas a enganar, e que se provasse dos frutos não só não morria como ficaria a conhecer o bem e o mal.

Adão acenou afirmativamente com toda a confiança, apontando para Eva de forma acusatória.

- Então já que estás viva e consegues distinguir o bem e o mal, vamos lá ver como te safas. Adivinha lá o que vos vai acontecer, sua esperta! – disse Deus, em fúria, graças à sua omnisciente benevolência – Ficarás condenada, Eva, a enormes dores durante o parto, e ficarás sujeita às ordens do teu marido.

Eva coçou a cabeça a pensar o que raio seria um parto, e Adão ficou satisfeito com a parte de ser sujeita ao seu marido; aquele castigo era o máximo.

- Adão! – gritou Deus. Adão desviou os olhos das curvas de Eva e olhou para Deus, amedrontado.
- Também tu serás castigado!

- Não lhe disse já que a culpa foi toda dela?

- Sim, mas pronto. Fica sabendo que a partir de agora terás de trabalhar o campo, e o pão que comeres e a erva que te alimentar só os terás graças ao suor do teu trabalho. Da terra só arrancarás alimento à conta de incontável esforço físico, até que voltes à terra da qual nasceste. Porque tu és pó, e em pó te tornarás. – Deus fez uma pequena pausa – Que coisa bonita. Saiu-me mesmo bem.

- Mas senhor, e a serpente maligna que me convenceu a provar do fruto proibido? – perguntou Eva, escondida atrás da bananeira.

- À serpente darei um castigo ainda mais exemplar: Deverá rastejar todos os dias da sua vida sobre a própria barriga, e alimentar-se de pó – disse Deus, o Omnisciente: o que é curioso, porque as serpentes actuais não têm pernas nem asas que indiquem como será que andariam ANTES de terem começado a rastejar, e muito menos comem pó.

- Deus, mas…

- Mas nada. Cale-se. Adão e Eva, aqui têm túnicas para esconder os vossos corpos despidos – disse Deus, e fez surgir do nada duas túnicas. Eva vestiu a sua, Adão também.

- Deus, obrigado por tamanha benevolência! Não nos mataste, e teremos a possibilidade de continuar a honrar-te eternamente! – disse Eva, enquanto Adão se entristecia ao ver Eva vestida.

- Sim, podem fazer isso tudo. Aliás até agradeço que me honrem como deve ser, mas por agora façam as vossas malas e saiam daqui. Estão expulsos do Jardim do Éden!

- Mas Senhor! – gritou Adão, tristemente, ainda mais triste do que estava há pouco ao ver Eva tapada com a túnica – Do que nos vamos alimentar?

- Por alguma razão criei as ovelhas, as galinhas e as batatas. Vão e cultivem a terra. Desenrasquem-se. Quem vos mandou desobedecerem-me? Fica já aqui a lição, seus mortais vergonhosos – disse Deus com toda a benevolência – A partir de agora é para me darem atenção e seguirem tudo o que eu vos disser. À letra. Senão eu uso a minha omnisciente bondade divina e começam a acontecer-vos coisas desagradáveis. Siga!

E de túnicas no corpo e mãos vazias, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, preparando-se para uma dura vida a trabalhar a terra e a ter cuidadinho para não pecar mais nenhuma vez.

.