quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Yawn



Quando acordo de manhã (o que é consideravelmente cedo, graças a um azar danado no meu horário), há um sentimento que se prolonga durante os primeiros cinco minutos de consciência depois do sono, um sentimento que começa com o despertador e termina só quando entro na banheira: durante aqueles longos cinco minutos eu era capaz de qualquer coisa, desde sacrificar o meu gato ou oferecer todas as minhas posses, mas mesmo qualquer coisa só para poder voltar a adormecer.

A tentação é pesadíssima, e difícil de controlar. Por momentos, o risco de apanhar uma falta ou perder uma aula inteira pesam muito menos do que a noite mal dormida. Fecho os olhos e reviro-me na cama, adiando o inevitável, pensando que só mais cinco minutos não vão fazer a diferença.

Depois de me levantar já é mais fácil. Arrasto-me para a casa de banha, arrasto-me para dentro e depois para fora da banheira, arrasto-me para a cozinha. Toda esta rotina é acompanhada por bocejos, incontáveis bocejos, e uma sensação de que os meus olhos estão cobertos por aquela película aderente que temos na cozinha, para enrolar as sandes antes de as meter no frigorífico.
Saio de casa e vou para a escola, volto da escola, almoço, ando de transportes, vou comprar material, dou as minhas voltas; e passo o dia todo a queixar-me do sono que tive de manhã e do sono que vou tendo ao longo do dia, e penso para mim mesmo que essa noite é que é, vou jantar cedinho, lavar a louça, ver uma meia hora de televisão e depois seguir para a cama, tranquilamente, às 10 e meia em ponto.

Se há coisa que todos temos em comum é este sentimento, a súbita responsabilidade madura que nos faz decidir este tipo de disparates todos os dias. “Desta vez é que vou MESMO fazer aquilo que já devia ter feito há uns dias”. Lá no fundo sabemos que é treta.

Chega a noite e ponho-me a ler, a petiscar uma bolacha ou outra, a ver vídeos no computador, a falar com conhecidos e amigos graças às novas tecnologias; e chega a hora, aquela hora prometida. Olho para o relógio, não tenho sono. Penso, “só mais cinco minutos”. Meia hora depois volto a olhar para o relógio, sem sono, em quase pânico por ver decrescer à minha frente o número de horas de sono disponíveis. Faço contas de cabeça, olho para o horário várias vezes para confirmar a desgraça, e insisto: “Só mais uns cinco minutos e depois sim. Aí é que é mesmo”.

Lembro-me agora que era assim mesmo quando era pequeno. De manhã custavam-me horrores acordar de manhã, quanto mais levantar-me da cama e sair para a escola; e à noite com os filmes de pancada que só davam tarde e os livros que queria ler, acabava sempre por estender a hora limite. Maus hábitos de criança, coisas que fazemos em pequeno e que agora já temos idade para não repetir.

Mas claro que repito. Todos os dias. Todos os dias acordo de manhã com vontade de ir à escola só para lhe atear fogo, para poder voltar para a minha cama calmamente e sem compromissos. Todos os dias passo o dia a bocejar, com dores no corpo, com ar de frete, mal dormido; e todos os dias, à noite, não resisto a mais meia hora do filme, a mais um vídeo na Internet, a mais umas páginas do livro. Dou por mim com os mesmos hábitos que tinha em criança, e começo a pensar que devia aprender com os meus próprios disparates. Devo ter passado 60 por cento de toda a minha vida escolar com sono por causa desta brincadeira, mas ao fim do dia, naquelas horas que parecem tão pequenas e que passam a correr, o filme e os vídeos e a leitura ganham outra importância; como se tivesse passado o dia todo a estudar, a andar de um lado para o outro, a bocejar, só para ter direito a estas três horas e meia ao fim do dia. Horas para estar um bocadinho comigo, completamente desperto, fazer aquilo que bem me apetece e adiar a inevitável e dolorosa experiência que se aproxima: acordar com a porcaria do despertador na manhã seguinte.

Como dizia o sábio Rei Leão ao seu filhote Simba: é o ciclo da vida.
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