sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Duzentos e setenta e sete


Na cidade havia três grandes impérios dedicados ao negócio mais lucrativo e significativo do país: a produção e exportação de bananas. Todo o país, devido ao seu clima e ao seu solo aparentemente calibrado para albergar bananeiras, produzia 99 por cento das bananas consumidas a nível mundial; os restantes 1 por cento eram um acidente económico, que os três impérios pretendiam corrigir durante a década seguinte. Controlar as bananas mundiais; não haver um único banana split ou piada com macacos e bananas que não levasse lucro automático aos cofres do país: esses eram os objectivos dos três impérios. A pergunta que se fazia, no entanto, não se alimentava de patriotismos ou de glórias, mas sim da pastosa e tóxica substância que era o capital: qual dos três impérios produtores de bananas sairia vitorioso do confronto?

O primeiro dos impérios a nascer fora o de Glasgow Vertov, o emigrante russo que começara a apanhar bananas numa quinta dos tios, poupara para uma carroça, vendera bananas pela vizinhança e calibrara o seu natural jeito para o negocio de tal forma que, 25 anos passados desde que provou pela primeira vez uma banana, acabadinho de chegar da Rússia Mãe, era o principal exportador de bananas do país. Substituiu os calções rasgados por um fato de alfaiate, feito à sua medida, e deixara a apanha da banana e o seu transporte para os mais de cento e cinquenta mi funcionários.

Por cinquenta longos anos o empresário de sotaque russo controlara as bananas; mas um seu sócio, qual Satan revoltado, caiu da nuvem ao defender que uma economia com competição entre vendedores de bananas era aconselhável, ao contrário do monopólio Vertov da altura. Escorraçado da empresa pelas suas ideias liberais, Antes Redol jurou vingança. Em 7 anos levantou do chão a sua própria empresa de apanha de bananas; e por ser primo da sogra de um sobrinho de um senador, o apoio político conseguido fê-lo subir a pulso na economia do país. O punho de ferro de Vertov e a da sua empresa não conseguiram esmagá-lo, e Antes Redol vestia agora os mesmos fatos feitos à medida que o seu arqui-inimigo.

Sangue teria corrido entre os dois, bananas teriam tilintado na noite na velha batalha entre o Mestre e o Aprendiz, não fosse a chegada ao país de um grupo de investidores estrangeiros, de nomes confidenciais e capital aparentemente infinito. Aquele pequeno país produzia na altura 60 por cento das bananas mundiais; e tal volume de negócios não fora ignorado por pessoas com faro. Os dois impérios, Vertov e Redol, tresandavam a lucro; e enquanto se esfolavam vivos lutando um contra o outro, um terceiro império floresceu no país das bananas: Banana Internacional, o seu conselho de administração um invisível grupo de capitalistas que se supunham de várias nacionalidades e localização geográfica incógnita.

Nove anos depois, como já se disse, 99 por cento das bananas consumidas mundialmente vinham de um dos três impérios; e a cada um cabia 33 por cento (mais coisa menos coisa) da percentagem final. Estavam em igualdade, a competição resultava, todos ganhavam e nenhum se destacava ou despertava a inveja alheia; isto, claro, em teoria. Porque no mundo dos negócios da banana, permitam-me a metáfora circunstancial, todas as oportunidades para deixar cascas no caminho dos outros para que possam cair são bem vindas. É aqui que entra Madame Su.

Madame Su, de origem oriental, roupa comprada em loja de antiguidades e crónico cheiro a incenso, dedicava-se a um negócio em expansão mundial, que promete muito mais maravilhas do que aquelas que parece conseguir realizar: a adivinhação. Se funciona ou não é discussão para outro dia, hoje falam-se de bananas e de bananas só. Entra Madame Su pelos enormes e espelhados portões do Império Vertov, exige reunião urgente com o idoso e raquítico Glasgow Vertov e promete: Tenho notícias fantásticas para o Sô Vertov.

Vertov recebe-a mais por falta de obrigações do que por curiosidade genuína:

- Tem dois minutos.

- Sô Vertov, vi nos búzios que o sô Vertov vai ser o homem mais importante do nosso país.

Vertov acorda do seu transe senil, dobra-se sobre a secretaria, os seus secos e baços olhos vibrando com o entusiasmo que um dia tiveram:

- Conte-me mais.

- Conto-lhe tudo, Sô Vertov, por uma módica quantia...

Vertov estala os dedos e seis assistentes engravatados caem-lhe em cima, desdobrando-se em vontade de obedecer à mínima ordem do patrão. No dia seguinte o escândalo rebentou: o Império Vertov sabia, sabe-se lá como, que ia passar a dominar 50% dos lucros nacionais da indústria de bananas.

- Que vem a ser isto? – perguntou Redol no alto da sua torre de betão, observando as notícias – 50 por cento? Anita – era a secretária, pelo intercomunicador – chame-me os contabilistas.

Os contabilistas entraram a trote no escritório de Redol, cada um transportando dossiers, estudos, facturas, pedaços de gráficos, gráficos inteiros e suor na testa. Em resumo: nada indica que Vertov tivesse razão; só uma especialista qualquer em adivinhação.

- O velho está senil – murmura Redol; mas a experiência de anos de negócios despertou-se uma inquietação palpitante – Chamem-me alguém que também adivinhe o futuro. Rápido!

Vinte minutos depois Mestre Abunda entrava, redondo e de sandálias, no escritório de Redol.

- Senhor Abunda...

- Mestre Abunda.

- Mestre Abunda, preciso que me adivinhe o futuro.

- Tem galinha?

- Galinha?

- Se não tem galinha não tem futuro – o Mestre encolheu os ombros.

- Anita, traga-me uma galinha.

Veio a galinha. Mestre Abunda sujou a carpete e os próprios dedos dos pés.

Remexendo nas tripas do animal, sentenciou:

- Tu ir ser rico, mais rico que seres agora.

Redol ri.

- Anita, ligue-me aos jornais.

No jornal do dia seguinte, outro escândalo: as Indústrias Redol garantiam que elas sim é que iam aumentar os seus lucros exponencialmente. Vertov e seus capangas estavam errados. O jornal noticiou também a estranha entrada, nos edifícios da Bananas Internacional, de um grupo de astrólogos, psíquicos, adivinhadores, mestres voodoo e um carregamento de bolas de cristal. Daí a horas, abrindo o noticiário da hora de almoço, um comunicado da Banana Internacional. Cito:

“As evidências universais indicam que a Banana Internacional registará um aumento de mais de 200 por cento nos seus lucros ao ano (...)”

Corrida aos supermercados; o pânico espalhava-se e a guerra das bananas começava. Os países estrangeiros, com receio de uma quebra de produção devida à guerra entre os Impérios até aí em equilíbrio, investiram fortemente na compra de toneladas de banana congelada, chegando para mais de uma década de consumo nacional. Os gráficos de lucro dos três Impérios tremelicavam, oscilantes, ora subindo ora descendo; até que um quarto escândalo rebentava nas notícias.

Glasgow Vertov, noventa e cinco anos, falecera de problemas cardíacos consequentes de uma exagerada percentagem de potássio no organismo. O Império Vertov mandou cobrir todas as suas bananas com veludo preto, marcando o luto e iniciando uma imparável onda de publicidade. Os seus lucros subiram. Redol, que viveu rodeado de gráficos descendentes durante seis meses, enforcou-se com a gravata. Os capitalistas invisíveis retiraram-se discretamente do país, investindo em ananás num país vizinho.

O Império de Vertov proliferou e os seus herdeiros, incompetentes mas rodeados de especialistas que só enormes quantidades de dinheiro podiam pagar, passaram a controlar a totalidade dos negócios envolvendo bananas. Nenhuma banana era descascada sem que primeiro fosse necessário retirar o pequeno invólucro de veludo; e o nome de Madame Su ascendeu aos capitéis do mundo como personificação perfeita de poderes sobrenaturais. A adivinhação resultava, resultava mesmo!; e o país rapidamente deixou as bananas para o Império Vertov e se concentrou em crescer como o maior exportador de artigos divinatórios do planeta.

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