sábado, 13 de agosto de 2011

Setenta e Sete


Caríssimos,

Escrevo-vos na condição de alguém que despreza a obra de André Sardet. É, para mim, um motivo de sarcástico júbilo a chegada de mais um dos seus CD’s ao mercado. Ouço as músicas com um sorriso nos lábios porque, convenhamos, é de chorar a rir. Mas sem exageros; não choro, não me emociono em demasia. Apenas retiro um prazer enorme de ouvir aquelas lenga-lengas pastosas de amor e romantismo de casa-de-banho.

Dito isto, foi com dor, extrema dor, que li a notícia de ontem no Diário Popular intitulada: “Romântica Records Não Edita Mais Sardet”. Ao que me foi dado a entender por esse órgão de comunicação, aconteceu que Sardet tentou (não sei se conseguiu ou não; mas duvido) escrever uma letra e música que não produzem dores na inteligência a quem tem um QI superior a 100; e, para surpresa do país, os meus caros amigos rasgaram o contracto na cara do homem, perdão, do Sardet, porque querem é música romântica da pesada; leia-se, da leve.

Peço-vos com todas as forças que o meu amor por Sardet desperta em mim: não cometam tal erro. Sardet é necessário. A classe média-alta precisa de um Tony Carreira só para si, e todos sabemos que Tonys não há muitos. Tony há só um, Sardet e mais nenhum: e sem editora, Sardet vê-se reduzido a mais um letrista e músico de barzinho nocturno. Além disso, quem pagará o bife à família de Sardet? Apesar do tempo dedicado a compor baladas de estonteante envolvência intelectual e profundidade emocional, Sardet tem tempo de manter relações pessoas com outras pessoas; de que outra forma ganharia a experiência necessária para criar composições nunca antes vistas (pelo menos desde o início da presente semana) de “amor”, “meu” e “beijo”?

O homem quer escrever coisas a sério. Conseguirá? Se o consegue, deixem-no. Ele que esconda uma música mais séria no final de cada álbum, para que as fãs cheguem a essa faixa já a chorar e não reparem no sucedido. Um aumento na qualidade de Sardet é um atentado ao equilíbrio moral e emocional de uma série de raparigas facilmente impressionáveis: impeçam-no, mas não impeçam Sardet de ser Sardet na totalidade. Sardet é Sardet e há que respeitá-lo por isso. Eu, se fosse Sardet, tentaria a todo o custo não ser Sardet dia nenhum da semana.

Em resumo: mantenham-no nas vossas listas de artistas de variedades, estipulem um qualquer contracto para manter a má qualidade dos álbuns uma constante, mas pelo amor de deus nosso senhor:  

Imploro, pela força do Amor, que retenham Sardet e não o deixem fugir. Uma enorme e sub-estimulada fatia da população portuguesa agradece-vos.

Cordialmente,

Renato Rocha


http://creativewritingprompts.com/

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