quinta-feira, 11 de agosto de 2011

"Sete Pecados Mortais" - Preguiça



Se há coisa que os filmes de acção nos ensinam é que todo aquele que nasce com um ou outro poder considerado sobrenatural, do menino mais autista ao musculado mais independente, será rápida e automaticamente alvo de milhões de seitas, grupos governamentais secretos e conspirações variadas com o intuito de estudar ou tirar proveito das suas capacidades. Talvez por isso Teo, dezoito anos, solteiro, desempregado, e o ser mais poderoso do Universo, tenha decidido adoptar o que os americanos chamam nesses mesmos filmes de “low profile”.

Não se pode dizer que seja feio mas também não se pode dizer que seja bonito. Descura a sua imagem, nem tudo deve à inteligência, e se o hábito faz o monge, este Teo já se habituou a ser tão medíocre na sua vida que a sua vida, medíocre, tomou contornos quase aborrecidos. Levanta-se, come cereais torrados, vê um pouco de TV, lê um livro, vê pornografia, sonha em ter uma mulher; e uma ou outra vez utiliza, da segura distância do seu lar, os seus poderes especiais para defraudar uma eleição, estragar uma emissão televisiva em directo ou mandar ao chão uma patinadora artística que esteja a acompanhar na Sport TV. Uma vez até provocou um eclipse, só pela gargalhada, mas soube-lhe a pouco.

Teo dedica-se a uma vida pacata para evitar chatices. Por vezes esquece-se que, se o quisesse, poderia esmagar com um piscar de olhos todos os crânios de todos os seres de todos os mundos; e estremece descontroladamente quando tocam à campainha. “É agora, vêm buscar-me” diz para si próprio num suspiro resignado, como se escondesse em si um tesouro que dos outros fosse por direito e que agora teria de devolver. Suspira de novo, desta vez de alívio, quando vai à porta e é o correio, ou a Dica da Semana, ou um par de Testemunhas de Jeová.

Senta-se de novo à televisão e vê aquilo que corre no mundo. Um tornado aqui e ali, chacinas, violações e terramotos. Todos os dias morre alguém, ou por burrice sua, ou por burrice de outrem, ou por burrice do mundo. E Teo tem suores frios de noite, com a cabeça pujada de pesadelos terríveis, com sangue de bebés misturado com sangue de mulheres virgens, e fogo, e asas de anjo, e fornalhas sagradas. Tanto poder para quê, se mal consegue dormir? Já esteve para ir ao médico, mas o pavor que o descubram ultrapassa a vontade de experimentar uma noite descansada.

Toma um banho rápido (nunca lhe falta a água quente, mesmo quando não há gás), e regressa ao sofá. Tocam à campainha. E agora, quem será? Virão buscar-me?

Não, é o correio. Teo tem uma conta para pagar. 


Texto do Autor e ilustração de Mariana Fernandes.

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