domingo, 21 de agosto de 2011

O Patinho Horroroso


Era uma vez um espetacular Charco de 5 estrelas onde vivia a elite dos animais mais afortunados e as grandes personalidades do mundo animal.

O Charco era onde grandes empresários, como o Sapo Castro-Mayor, se dedicavam a oferecer vários carros, casas, brinquedos, póneis e idas as estrangeiro aos seus filhos, com o intuito de lhes demonstrar o quanto o dinheiro custa a ganhar; era onde figuras incontornáveis da vida pública, como a Cobra Pipita, se bronzeavam, escolhiam os seus vestidos, maquilhavam, preparavam-se para festas e, no geral, se fartavam de trabalhar; e onde famosos como a Libelinha Martinha garantiam que continuavam a ser modelos para as novas gerações, publicitando marcas de roupa, champôs e festas nas Tocas mais in da floresta.

Mas a nossa história centra-se numa família muito particular do Charco de 5 Estrelas: a Família Patto.

O pai Patto, um empresário de sucesso na área dos cogumelos exóticos, era um pato gordíssimo, com fatos dispendiosos de marca, que transportava sempre um maço de notas no bolso caso fosse preciso pôr gasolina ou exibi-lo a algum vizinho.

A mãe Patto, por seu lado, não ligava absolutamente nada ao dinheiro; prova disso é que não trabalhava, e preferia muito mais andar com o cartão de crédito do que com notas e moedas no bolso. Senhora respeitada em todo o Charco, participava em festas, cocktails e outros eventos de enorme importância cívica e social. Além disso, partilhava a lida da enorme casa onde a família Patto habitava com cinco emigrantes totalmente legalizadas e o cisne-jardineiro, musculado e atraente: enquanto as empregadas lavavam, esfregavam, cozinhavam e passavam a ferro, a mãe Patto supervisionava as operações, garantindo a coerência cromática das almofadas, a suavidade dos toalhões turcos, o tempero dos canapés; tudo isto sem deixar que o verniz das suas penas estalasse ao sol!

E, para afastar as más línguas que a acusavam se ser superficial, a mãe Patto costumava dizer que as aparências, para ela, eram pouco importantes quando comparadas com uma série de coisas das quais, assim de repente, não se conseguia lembrar.

Os pais Pattos tinham cinco filhos, todos eles com dois nomes próprios e uma personalidade individual e desenvolvida. Acompanhavam a mãe a todos os acontecimentos sociais, gostavam se sair com os amigos (mas só, claro, se fossem animais de bom gosto!) e, principalmente, de ler e desenvolver as suas capacidades cognitivas. Por isso, adquiriam, liam e decoravam todas as revistas cor-de-rosa e ficavam só ligeiramente felizes quando apareciam fotografados em alguma delas. “Nós defendemos muito a nossa privacidade”, declarou até a mãe Patto numa das muitas entrevistas que deu em sua casa.

A família Patto tinha uma existência calma e pacata; até ao dia em que uma notícia esmagou o bem estar generalizado e a possibilidade de a mãe Patto usar aquele vestido vermelho maravilhoso para a festa do Sapo Castro-Mayor: ela estava à espera de patinho!

Um dia, estava o pai Patto a preparar-se para sair mais cedo do escritório, o telefone tocou:

- Estou? O quê, já nasceu? Sim, vou já para aí!

O pai Patto desligou o telefone, pediu à secretária que cancelasse a noite no hotel, onde iriam discutir alguns pormenores estratégicos e técnicos sobre a empresa, e dirigiu-se ao hospital.

Mas a notícia de um novo rebento, inicialmente recebida com alegria, transformou-se em pesadelo. O pai Patto entrou no quarto da sua esposa e esta, a chorar, recebeu-o de braços abertos:

- É terrível!

- O que aconteceu ao patinho? Falta-lhe uma asa?

- Não!

- Faltam-lhe duas asas?

- Pior!

- Faltam-lhe duas asas e o bico?

- Quem me dera! – a mãe Patto, destroçada, limpou as lágrimas e gemeu: - Ele é horrível!

O pai Patto dobrou-se sobre o berço e soltou um grito. Lá dentro estava um grande naco de carne com meia dúzia de penas, uma cabecinha torta e distorcida, dois olhos estrábicos, e duas asinhas deslocadas e mortiças.

- É... é...

- Um desastre de viação! – gritou a mãe Patto – O que vou mostrar à revista Bicos quando me pedirem uma sessão fotográfica?

De facto, o Patinho era mesmo muito feio; aliás, era horrendo! Mas depois de muito apoio das suas trezentas amigas íntimas e de algumas palavras bonitas do marido, a mãe Patto concordou em levá-lo para casa sem o dar para adopção; e o Patinho, apesar de horroroso, cresceu junto dos seus irmãos como se fosse um pato normal.

Mas não pensem que o Patinho teve uma vida fácil! Chamava a atenção de todos os outros animais por causa do seu coxear, por ter os olhinhos tortos e por não ser campeão em nenhum desporto. Até os irmãos brincavam com ele, utilizando-o para treinar tiro ao alvo, como desculpa para terem más notas na escola, ou como forma de despertar a compaixão nos seus amigos mais populares!

O Patinho Horroroso teve, por isso, uma infância difícil. Cresceu na arrecadação (onde os fotógrafos nunca chegavam) e, sem amigos, foi-se entretendo sozinho. Parecia fazer de propósito para aborrecer os irmãos patinhos e os colegas de escola! Gostava de ler, de ver as notícias, de estudar e, pior do que tudo... ter opiniões!

Mas a situação conseguia ser ainda pior para o solitário Patinho Horroroso: a única pata de quem ele gostava no Charco, conhecida como Pata Patuxka, era tão, mas tão bonita e popular que nunca quereria sequer ser vista a falar com ele!

- No outro dia – disse um insecto chique, amigo dos irmãos do patinho horroroso, no recreio da Escola Privada do Charco – apanhei o teu irmão sentado num banco. Fui lá e nem lhe fiz mal nenhum, só lhe dei um empurrão e perguntei “O que estás a fazer, seu esquisito”? E ele respondeu-me: “Nada, estou a pensar!”

Os animais no recreio riram com gosto e uma lontra perguntou até o que era isso de “estar a pensar”. Os irmãos do Patinho Horroroso juntaram-se à festa e contaram aos amigos, por exemplo, que o patinho lia livros sem ilustrações, que não tinha o mínimo jeito para pentear as penas e que (imaginem!) preferia ficar em casa a estudar a ir à inauguração de uma discoteca nova!

O Patinho Horroroso, escondido a um canto, ouviu tudo e ficou muito magoado! Enquanto limpava as lágrimas do bico abaulado tomou uma decisão. Foi a casa, encheu a mochila da escola com livros, a escova de dentes e uma bússola e, sem dizer nada a ninguém, fugiu do Charco de 5 Estrelas!

- Estou cansado de ser maltratado! – dizia o Patinho Horroroso, caminhando pela estrada – Porque é que não me podem aceitar por aquilo que sou?

Caminhou durante muitos dias até chegar a outro charco, mais pequeno e pobrezinho, onde esvoaçava uma família de patos bravos.

- Olha, mamã! – disse uma patinha brava – Está ali um visitante!

Os patos bravos aproximaram-se todos do Patinho Horroroso e deram-lhe as boas vindas.

- De onde vens? – perguntou um dos patos bravos.

- Do Charco de 5 estrelas – respondeu o Patinho Horroroso.

- Uau! – disseram os patos bravos, surpreendidos; e começaram a fazer imensas perguntas ao Patinho Horroroso: quem era a sua família, se era rico, se conhecia a Libelinha Martinha, se tinha uma toca com vista para o mar... Até o convidaram para jantar!

E o Patinho Horroroso, educadamente, teve de recusar:

- Desculpem, mas tenho outros compromissos...

Como sabem, o Patinho Horroroso não tinha compromissos nenhuns, até porque nunca fora convidado para nada na sua vida. Ele só estava era triste por ninguém perguntar nada sobre ele, mas sim sobre os seus vizinhos! Foi aí que o Patinho Horroroso percebeu uma coisa muito importante...

- Já que não posso ser amado por aquilo que realmente sou, posso ser amado por aquilo que os outros vêm em mim! – disse o Patinho Horroroso, cheio de esperança – Tenho de regressar ao Charco de 5 Estrelas!

Mas primeiro o Patinho Horroroso dirigiu-se a um edifício enorme que tinha à entrada uma tabuleta que dizia:

DERMOLASER: Sinta-se bem consigo mesmo!

- Senhor doutor! – disse o Patinho Horroroso, cheio de vontade de chorar - Preciso urgentemente de auto-estima e só o conseguirei quando for bonito e atraente para as outras pessoas! Isto com personalidade não vai lá!

O médico olhou para o Patinho Horroroso e deu um passo atrás:

- Pela tanga de Mogli... Você é um caso extremo! Mas fiquei comovido pelo seu mau aspecto e, claro, pela sua força interior. Vou operá-lo!

- Não tenho é dinheiro para pagar a operação... – murmurou o Patinho Horroroso.

- Não se preocupe, Sr. Patto – disse o médico com um sorriso – A sua mãe tem conta aberta aqui na clínica!

Durante duas longas e penosas semanas o Patinho Horroroso foi submetido a uma profunda transformação pessoal. Fez um tratamento de hidratação para as penas, ginástica localizada, solário e, finalmente, uma bicoplastia.

- Parabéns, senhor Patto! – disse o médico, no final do processo – Está um pato diferente! Quer ver o resultado final?

O Patinho Horroroso, nervoso, disse que sim; e quando se viu reflectido pelo espelho nem queria acreditar nos seus olhos (que, a propósito, estavam direitos e azuis)! Tinham-no transformado num belíssimo cisne com asas simétricas, um bico dourado, penas branquíssimas e um pescoço comprido e elegante.

- Agora sim tenho orgulho no pato que sou – disse para consigo o ex-Patinho Horroroso, comovido.

O seu regresso ao Charco de 5 Estrelas foi glorioso: a mãe Patto aproveitou os restos da festa que dera em honra da fuga do seu filho horroroso e celebrou, felicíssima, a chegada daquele cisne lindo. Os irmãos, também contentes, quiseram ser fotografados ao lado do irmão, e no dia seguinte sairiam na capa da Bicos como uma família verdadeiramente unida. Todos os animais do Charco quiseram meter conversa com ele e todos lhe elogiaram a inteligência, os estudos, a postura e a atitude confiante!

E a Pata Patuxka, o amor de infância do Patinho Horroroso? Veio convidá-lo para ir com ela a uma festa de Verão!

- Eu sou o mesmo pato que tu negaste há uns tempos atrás! – disse o ex-Patinho Horroroso, envergonhado.

- Sim, mas agora posso ver o quanto és realmente especial! – respondeu a Pata Patuxka, abraçando-o a tempo de ser apanhada pelo flash de um fotógrafo. 

Foi assim que o Patinho Horroroso aprendeu que a aparência não é tudo num pato, mas o pato deve fazer tudo pela aparência! O Cisne em que se transformou foi finalmente aceite no Charco de 5 Estrelas... e viveram todos muito belos (e felizes) para sempre.

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