quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Samora 35


Sonja via na urina o brilho do ouro, explicou-me um dia. Bebíamos e trocávamos ideias. Disse-me:
- A urina é um estorvo, uma necessidade que nos aborrece e da qual temos o nojo natural. Se fosse doce bebíamo-la e já não andávamos por cá, morríamos com infecções, por isso sabe mal. Mas é também um líquido formado por água, minerais e despojos do corpo. Um registo vivo, quente, lúcido e brilhante do mal que fazemos a nós próprios. Posso saber do que te alimentas e que doenças te assolam se urinares para dentro de um recipiente esterilizado. Uma mulher prenhe sabe que o é urinado para um pequeno pauzinho, por causa das hormonas, me dirás, mas quem as transporta para fora do corpo, onde podem ser observadas e estudadas com corantes e contrastes? O sangue fará o mesmo, mas é o líquido da vida e por isso mantém-se nas suas estradinhas lilases e bombeia-se de um lado para o outro transportando necessidades. A urina é menos apegada a nós, mais livre, abandona-nos mas traz com ela recordações de onde esteve. A nossa bexiga diz-nos coisas maravilhosas, e a urina tem a generosidade de abandonar o corpo que a criou e atirar-se a um mundo que não conhece e que não a quer. Há que respeitá-la, no mínimo. – pausa; e depois - Vistas as coisas assim sempre fui mais urina do que sangue. 

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