segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"Sete Pecados Mortais" - Todos




Estava um Homem a lavar calmamente os dentes quando uma nuvem de fumo lhe encheu o apartamento e um demónio de dentes afiados e cauda bifurcada lhe entrou pela janela, agitando um tridente vermelho no ar.

Parabéns! O senhor é a milionésima pessoa na história da Humanidade a reunir na mesma alma uma expressão completa de todos os sete pecados mortais. Tem ideia da importância?

Serei castigado?

Nada disso, homem. Você vai é ser recompensado!

Por ser uma má pessoa?

Por defender e publicitar as virtudes que nós no Inferno identificamos como características importantes para a Humanidade.

Sendo assim…

Que cara é essa? Vim oferecer-lhe um prémio! Vamos lá, então. O demónio tirou um papel de um dos bolsos das calças e desdobrou-o. Tem direito a um prémio relacionado com cada um dos pecados. Mas só pode escolher um.

Um de cada pecado.

Não, um de entre os sete.

Mas isso é medíocre.

Ainda nem sabe que prémios são.

Venha lá eles, então.

Ora bem. O demónio leu o papel. Luxúria: um clone da Jessica Alba, só que ninfomaníaca. Gula: gelados infinitos da… ena, como se lê isto? Háguen Dáz? Será? Orgulho: ser a pessoa mais famosa do mundo. Ira: capacidade de dar hemorróides crónicas a todos os seus inimigos. Preguiça: nunca mais ter de sair da cama, com todas as mordomias incluídas. Inveja: poder absorver a vida de uma pessoa que admira. E finalmente, a avareza: ter dinheiro infinito no banco.

O Homem reflectiu. Pode repetir o da gula?

Gelados infinitos da Háguen Dáz.

Hum, hum. Dinheiro infinito, disse-me?

Sim.

Parece-me totalmente desproporcionado. Eu com dinheiro infinito compro tudo isso.

Tudo não.

Tudo, sim.

Compra hemorróidas?

Não.

E um clone ninfomaníaco da Jessica Alba?

Também não, mas não vejo onde estará o interesse.

O demónio, surpreendido, levantou as sobrancelhas. Você sabe sequer quem é a Jessica Alba?

Claro que sei. Eu prefiro a Penélope Cruz. Não poderíamos talvez trocar isso?

O quê?

A Jessica Alba pela Penélope Cruz?

Bem, não sei mas posso perguntar.

Veja-me lá isso, então.

Houve uma pausa.

Mas quer dizer, agora? Perguntou o Demónio.

Tenho de escolher, não é? O Homem levantou as mãos. Ouça, você é que me quer dar um prémio a todo o custo.

Não sou eu, é o meu patrão. Eu sou apenas o mensageiro. O demónio agarrou num telemóvel, marcou um número e alguém atendeu. Estou? Sim, sou eu. Diz-me uma coisa. Haverá a possibilidade de trocar a Jessica Alba pela Penélope Cruz? Sim… Sim… Portanto…? Espera, espera, repete lá. O demónio escutou e depois tapou o telemóvel com uma mão e disse, Com a Penélope nada feito. Que acha da Megan Fox?

O homem arregalou os olhos. Caramba, seria possível arranjar a Megan Fox?

Seria possível pois. Então, em que ficamos?

Deixe-me pensar, não se esqueça que tenho tanta luxúria como outros pecados todos, por alguma razão fui premiado. Houve uma pausa. E que significa isso de absorver a vida de quem eu quiser?

Pode escolher uma personalidade qualquer, famosa ou não, e absorver-lhe a vida.

Passar a ser essa pessoa?

Passar a ser essa pessoa.

Por que quereria isso?

Ora, parece-me lógico. Não tem ninguém que inveje?

Toda a gente, praticamente. Daí o pecado, penso eu.

Então e é orgulhoso ao mesmo tempo?

Sou, digamos, ambicioso.

Seja. Basta escolher alguém que queira realmente ser e pronto. Será.

Posso ser o namorado da Megan Fox?

Quer a Megan Fox ou não?

Para já, para já…

Então acalme-se e decida bem. Isto é uma oportunidade única.

Todos os prémios são bastante sedutores, mas devo confessar que tenho os meus favoritos.

Então?

O Homem contou pelos dedos das mãos.

Megan Fox ninfomaníaca.

Certo.

Gelados daqueles. E…

Sim…?

E dinheiro infinito. Sem dúvida. Repare que com dinheiro infinito poderia conseguir todos os gelados e mulheres que quisesse. Poderia destruir os meus inimigos, tornar-me famoso e amado, criar um império de que me orgulhasse. Podia encontrar a cura para a Sida, e para o cancro, e acabar com guerras e ameaças à vida!

Calma, calma, calma, disse o demónio, desligando o telemóvel e concentrando-se  na conversa. Convenhamos que sim senhor, podia fazer isso tudo; mas não se esqueça com quem está a falar.
O Homem não entendeu.

Explico. Este é um negócio com o Diabo, meu caro. Você está a ser premiado por ser um exemplo de falta de rectitude moral. Se vai andar para aí a usar os nossos meios para salvar meninos em África e, enfim, melhorar substancialmente as condições da Humanidade, que ganhamos nós com isso?

Parece-me que deviam ter pensado nisso antes. Está-se mesmo a ver que com dinheiro infinito a primeira coisa que qualquer pessoa decente faria é a curar a sida.

E você é uma pessoa decente?

Depende.

Depende nada, diga lá então. Porque se for uma pessoa decente óptimo, mas a nós não nos interessa. No entanto, se for uma pessoa indecente, e má, e egoísta, e verdadeiramente egocêntrica, pois aí podemos continuar a falar.

Isto de ser decente acarreta as suas responsabilidades.

E os seus riscos. Arrisca-se sempre a perder a noção do “eu”.

Qual noção do “eu”?

Não se esqueça que passou a vida a cometer pecados perigosíssimos para o equilíbrio da Humanidade. Se há alguém que não prima pelo altruísmo é o senhor.

Olhe que não lhe admito tal coisa. Como sabe uma coisa dessas?

É um dos maiores pecadores da sua cidade!

Depende da sua noção de pecado.

A minha noção de pecado é a única que interessa aqui.

Não percebo por que raio gostar de doces, de ver coisas marotas na Internet ou sentir inveja do namorado da Megan Fox faz de mim uma pessoa péssima.

Não faz de si uma pessoa péssima mas sim defeituosa. Nunca ouviu dizer que o melhor é contentar-se com o que tem?

E que é feito dos nossos sonhos e ambições? Um homem não poderá sonhar?

Poderá, poderá sim.

E não será o contentamento com o que há o maior impedimento a descobrir coisas novas, e evoluir, e inventar, e criar um mundo melhor para todos?

Será, será sim. Mas em discussões dessas não entro eu. Como lhe disse, sou um mero mensageiro.

Pois entregue a seguinte mensagem aos seus superiores: apesar de pecador, não me vendo por qualquer preço; e se acham que, vendo-me com dinheiro infinito na mão, não iria ajudar imediatamente o meu próximo, estão a subestimar fortemente a Humanidade. É porque não a conhecem verdadeiramente, e porque fazem dela estúpida. A Humanidade, e eu, e os meus, e se calhar até você que é demónio, somos muito melhores do que imaginamos. Importa é admiti-lo. Não quero o seu dinheiro infinito para nada, se por ele trocarei o que me torna humano.

Sim senhor. Foi bonito.

Não quero o dinheiro mas quero a Megan Fox.

Meu caro, temos negócio. Os meus parabéns.

O Homem e o demónio apertaram as mãos e depois foram tomar um copo. 


Texto do Autor e Ilustração da Mariana Fernandes

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