sexta-feira, 12 de agosto de 2011

"Sete Pecados Mortais" - Avareza



Ser demasiado apegado às coisas materiais, pensou ele um dia, é um efeito secundário do mundo onde vivemos. Não nos podemos esquecer que a publicidade nos viola os olhos e o cérebro com imagens idealizadas de carros e de gajas e de casas com piscina. Tudo ao seu dispor em apenas 24 horas, sem perguntas e sem complicações. Mas a culpa, no fundo, é toda nossa. Isso de sermos vítimas do séc. XXI é treta de quem não tem personalidade ou poder sobre a própria vida. Então se for à rua comprar um Ferrari a culpa é do vendedor? Incongruência, falácia total. Mas entretanto para que serve tudo, hum?

Fazia a barba e reflectia, como era seu hábito. Aliás, era a única altura do dia em que podia realmente reflectir sobre o mundo e a Verdade (com letra grande). Antes, estava na cama com a esposa, e tinha de fazer barulho para não a acordar. Ela era uma daquelas pessoas desprezíveis que dorme com rolos no cabelo e tem uma voz esganiçada. Depois, era altura do pequeno-almoço (“Porque não comestes a torrada?” Comestes! Porque me casei com ela afinal?) e depois do emprego. Trabalhava num cubículo pequeno, onde inseria números numa máquina para poder garantir que, ao fim do mês, um depósito de dinheiro na sua conta bancária garantiria o seu miserável estilo de vida por mais um mês. E mais um. E outro. E deu por si a fazer a barba, semi-careca, com extremas dificuldades em obter o que a juventude chama agora de tesão, e de súbito soube exactamente a quem pedir responsabilidades. A ele. Quem era ele para falar sobre poder sobre a própria vida quando era uma vítima constante, sodomizado intelectualmente pela ausência daqueles estímulos que nos fazem sentir vivos?

Foi ao quarto e matou a mulher. Depois foi ao armário, deitou tudo cá para fora, pegou fogo a tudo. Deixou crescer a barba. Fugiu do país. Andou à boleia. Evitou a polícia. Virou eremita, subindo ao cimo de uma árvore e vendo as estrelas e o sol a irem e virem até perder a noção do tempo.

Depois ocorreu-lhe que não tinha nada. Que a sua vida era estar consigo mesmo em cima de uma árvore idiota, há já quê? Sete semanas? Os frutos estavam a acabar, e a sua paciência para defecar de cima de um ramo também. A árvore pareceu-lhe extremamente material e de extrema importância. Presa ao solo com a raiz em forma da mão fechada de alguém que se agarra a um abismo para não cair. Cospe o oxigénio que ele respira. Faz a sua vida sem se queixar. De súbito, aquela árvore ensinou-lhe uma lição: estar calado e saber aceitar. E se ele agora não tinha nada também não era nada, porque as coisas existem porque as fazemos e nós fazemo-las porque têm uma função qualquer, nem que seja compararmo-nos a elas e com elas tirarmos as medidas à vida.

Deixou-se de tretas. O apego a uma lâmina de barbear e ao dinheiro do jantar fê-lo sabotar a sua rebeldia. Desceu da árvore, regressou a casa, foi preso pela morte da mulher e hoje possui, entre as suas propriedades, dois maços de tabaco e o carinho de um negro chamado Uluga. Morreu feliz, sem saudades da árvore. Nem da mulher. 


Texto do Autor e ilustração da Mariana Fernandes. 

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